quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

CRÔNICA DO BUSÃO POR PAULO BRIGUET

Preso no terminal

Por alguns meses estive longe do Terminal Urbano. A gripe suína, as férias e as caronas da Rosângela me afastaram do transporte coletivo.

Mas o bom usuário à casa torna. Voltei. Alguém dirá que o momento é ruim, já que o prefeito acaba de autorizar o aumento da tarifa de ônibus. Ao que eu responderei: o preço do táxi também subiu.

O fato é que as pessoas não pagam R$ 2,25 para entrar no terminal. Pagam para sair dele o mais rápido possível.

Estou no terminal; sinto-me como Jonas dentro da baleia. Se a cidade tem um coração, ela também tem um estômago – e o estômago é o terminal. Às vezes penso que ele não é um lugar, mas uma gárgula que cresceu além do normal e solta fumaça pelas ventas.

Os técnicos – ah, os técnicos – dirão que o terminal cumpre uma função na rotina da cidade. E têm razão. Mas isso não o deixa menos triste e feio.

Aqui não há nem pode haver espaço para árvores; a natureza é representada unicamente pelas pombas. Nós e elas somos os usuários do sistema.

O terminal é um dos lugares mais deprimentes da cidade, junto com as ruínas do Cadeião e alguns trechos da Avenida Brasília. Talvez a gente possa incluir alguns ferros-velhos da Via Expressa, onde os pedaços de carros nos observam em desespero silencioso.

No momento em ponho os pés no terminal, os índios descem em passeata pela Avenida São Paulo, com os rostos pintados para a guerra. Chegam a interditar a Leste-Oeste. Alguns motoristas xingam, mas logo são convencidos a ficar quietos.

A passeata me faz recordar o quebra-quebra no terminal em 1989 – há 21 anos! A confusão ocorreu durante um protesto estudantil contra o aumento da tarifa de ônibus. Houve presos e feridos. Os prefeitos aprenderam a lição, e agora só aumentam o preço do ônibus em período de férias escolares, quando as crianças estão com papai e mamãe.

Nunca tive talento para apanhar da polícia. Felizmente, naquela noite de 1989, preferi ficar em casa lendo e ouvindo música na Cruzeiro FM (ba-da-ba-da-ba-da-baiá) a ir para o protesto. Meu quarto, na época, tinha saída para a cozinha – um caso único na arquitetura mundial. Certa vez esqueci o Miojo no fogão e dormi; um colega chegou a tempo e me salvou do incêndio. Mas já demoliram a república, construíram um prédio no lugar.

Há duas décadas sou frequentador assíduo do terminal; acho que tenho direito a um pedaço de asfalto, por usucapião. Vários amigos foram presos por uma noite na confusão de 1989. Eu fiquei preso para sempre em 1989 – e no terminal.

Agora, com licença, que meu ônibus chegou. A Rosângela está esperando em casa.

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